Gopāṣṭamī
- Vana Madhuryam Brasil
- 29 de out.
- 8 min de leitura

Śrīla Bhaktivedānta Vana Gosvāmī Mahārāja
15 de novembro de 2018, Mathura, Índia
Hoje é o auspicioso e excelente dia do Gopāṣṭamī, que ocorre no oitavo dia após a lua nova, conhecido como Aṣṭamī-tithi. De acordo com a cultura e a tradição Vaiṣṇava, em poucas horas observaremos esse sagrado evento, que marca a primeira vez em que Kṛṣṇa levou Seus bezerros e vacas para pastar. Por essa razão, esse dia é conhecido como Gopa-aṣṭamī.
Todos os anos visitamos a casa de Paresh Sandari e sua esposa Ranigiri, que são completamente dedicados aos pés de lótus de Śrīla Gurudeva, Śrīla Bhaktivedānta Nārāyaṇa Gosvāmī Mahārāja. Tenho vindo à casa deles há muitos anos, especialmente na época em que eu costumava coletar doações para o templo Śrī Keśavajī Gauḍīya Maṭha. Naquele tempo, nosso maṭha não tinha muitos recursos, e todos os dias eu ia de casa em casa, em Vraja e especialmente em Mathurā, pedindo contribuições. Foi então que conheci essa família, que sempre foi muito generosa e permaneceu totalmente dedicada aos pés de lótus de Śrīla Gurudeva, Śrīla Bhaktivedānta Nārāyaṇa Gosvāmī Mahārāja.
No dia auspicioso de Gopāṣṭamī, em 2013, a esposa de Paresh Sandari deixou este mundo material pela manhã. Vocês não podem imaginar o quanto Ranigiri era dedicada aos pés de lótus de Śrīla Gurudeva. Sempre que eu vinha à casa deles, eles demonstravam muito amor e afeição, tratando-nos como membros de sua própria família. Em sânscrito, isso é chamado laukika-sad-bandhuvat-prīti. Similarmente, Brahmājī glorificou os habitantes de Vraja. No seguinte verso, ele exalta a relação familiar que os Vrajavāsīs têm com Kṛṣṇa.
aho bhāgyam aho bhāgyaṁ
nanda-gopa-vrajaukasām
yan-mitraṁ paramānandaṁ
pūrṇaṁ brahma sanātanam
Śrīmad-Bhāgavatam (10.14.32)
[“Quão imensamente afortunados são Nanda Mahārāja, os pastores de vacas e todos os demais habitantes de Vraja-bhūmi! Não há limite para a boa fortuna deles, pois a Verdade Absoluta — a fonte da bem-aventurança transcendental, o Supremo Brahman eterno — tornou-Se seu amigo.”]
A supremacia da doçura de Vraja
Neste verso, Brahmājī descreve quão afortunados são os Vrajavāsīs, os habitantes de Vraja. Todos eles mantêm relacionamentos com Kṛṣṇa como se Ele fosse um membro da família. Neste verso, Kṛṣṇa é chamado de Pūrṇa Brahma Sanātana Puruṣa, significando que Ele é a Suprema Personalidade de Deus. No entanto, apesar de já terem testemunhado todas as opulências de Kṛṣṇa, os Vrajavāsīs não acreditam que Ele seja a Suprema Personalidade de Deus, Svayaṁ Bhagavān.
Os Vrajavāsīs presenciaram Kṛṣṇa erguendo a colina de Girirāja Govardhana por sete dias e sete noites. Também viram Ele dançar sobre as cabeças de Kāliya Nāga, e O observaram consumir o fogo no passatempo (līlā) conhecido como dāvānala-bhakṣaṇa. Em Vraja, Kṛṣṇa manifesta todas as Suas opulências, aiśvarya, mais intensamente do que em Vaikuṇṭha, Ayodhyā, Dvārakā ou mesmo Mathurā. Vraja é, na verdade, completamente pleno de opulência, mas ela está sempre envolta em doçura, o que em sânscrito é chamada de mādhurya.
No Śrī Caitanya-caritāmṛta, Śrīla Kṛṣṇadāsa Kavirāja Gosvāmī explica: “dekhiyā nā māne aiśvarya” — os Vrajavāsīs testemunharam todas as opulências de Kṛṣṇa pessoalmente e ainda assim não acreditam que Ele seja Bhagavān. Isso ocorre porque, no momento da cerimônia de nomeação, Gargācārya disse: “nārāyaṇa-samo guṇaiḥ — Ó Nanda Mahārāja, seu filho Kṛṣṇa possui muitas qualidades semelhantes às do Senhor Nārāyaṇa.” Por isso, eles acreditam que Kṛṣṇa, na realidade, não possui poder próprio. Sempre que os passatempos transcendentais e opulentos de Kṛṣṇa se manifestam, os Vrajavāsīs supõem que tais feitos extraordinários de aiśvarya só podem ocorrer porque o Senhor Nārāyaṇa O possuiu. Na verdade, Nārāyaṇa é uma encarnação do Senhor Kṛṣṇa, mas apesar desse fato, os habitantes de Vraja jamais acreditam que Ele seja Bhagavān. O Śrīmad-Bhāgavatam explica claramente:
ete cāṁśa-kalāḥ puṁsaḥ
kṛṣṇas tu bhagavān svayam
indrāri-vyākulaṁ lokaṁ
mṛḍayanti yuge yuge
Śrīmad-Bhāgavatam (1.3.28)
[“Todas as encarnações acima mencionadas são ou porções plenárias ou porções das porções plenárias do Senhor, mas o Senhor Śrī Kṛṣṇa é a Personalidade de Deus original. Todas elas aparecem nos planetas sempre que há um distúrbio criado pelos ateístas. O Senhor encarna para proteger os teístas.”]
Rāma, Nṛsiṁha e Kalki são expansões de Śrī Kṛṣṇa. Ele é chamado de sarva-avatārī, a fonte de todas as manifestações. Entretanto, os Vrajavāsīs acreditam que, às vezes, o Senhor Nārāyaṇa possui o corpo de Kṛṣṇa e que, somente assim, Ele consegue realizar todas essas atividades opulentas. Esses são os sentimentos dos Vrajavāsīs puros, os śuddha-bhaktas. O serviço devocional puro presente em seus corações chama-se śuddha-bhakti.
Ranigiri, a esposa do Paresh Sandari Prabhu, foi muito afortunada, pois bem cedo, durante o brāhma-muhūrta (período auspicioso que antecede o nascer do sol), após recitar o mantra de Gurudeva, o guru-gāyatrī-mantra e o gopāla-mantra, ela partiu deste mundo material no mês de Kārtika, neste auspicioso dia de Gopāṣṭamī. Ela serviu Gurudeva durante muitos de nossos utsavas, celebrações, e visitava regularmente o nosso templo Śrī Keśavajī Gauḍīya Maṭha em Mathurā. Como mencionado, ela era completamente dedicada a Śrīla Gurudeva, servindo com o corpo e a mente. Ela deu tudo para servi-lo, chegando a vender todos os seus adornos e oferecer tudo a ele. Ela também serviu fielmente a Ṭhākurajī (deidade). Vocês não podem imaginar quanto amor e afeição ela tinha por Guru e Vaiṣṇavas.
O significado do Gopāṣṭamī
Durante os passatempos humanos do Senhor, Kṛṣṇa está crescendo, e na ocasião de hoje Ele diz: “Eu devo ir pastorear as vacas.” Ao ouvir isso, Nanda Mahārāja responde: “Como isso seria possível? Em minha casa há muitos servos, e eles podem levar as vacas para pastar.” Apesar de, neste passatempo, Kṛṣṇa ter apenas cinco anos de idade, Ele já é muito esperto. Ele disse a Nanda Mahārāja: “Eu nasci em uma dinastia de vaqueiros, gopa-jāti. Este é o nosso ofício, nossa profissão. De acordo com nossa dinastia, devo ir pastorear as vacas.” No entanto, Nanda Mahārāja insistiu: “Não há necessidade de Você ir.”
Kṛṣṇa permaneceu muito teimoso, pois essa é a natureza de um bebê. Neste mundo material, há três tipos de pessoas que são naturalmente teimosas. Primeiro, o bebê; em sânscrito, isso é chamado bāla-hatha, sendo hatha “teimoso”. Segundo, o rei, rājā-hatha. E terceiro, a esposa: muitas vezes ela não ouve os conselhos do marido, preferindo insistir em realizar o que deseja. Similarmente, Kṛṣṇa, sendo persistente, disse a Nanda Mahārāja: “Pai, Eu nasci em uma dinastia de pastores. Este é o nosso ofício! Eu devo pastorear as vacas.”
De acordo com o sistema de castas védico da Índia, existem os brāhmaṇas (sacerdotes ou professores), os kṣatriyas (guerreiros ou administradores), os vaiśyas (agricultores, comerciantes ou homens de negócios) e os śūdras (trabalhadores). O dever dos brāhmaṇas inclui adorar a Ṭhākurajī. O dever dos kṣatriyas consiste em proteger a nação por meio da luta. Os vaiśyas têm a responsabilidade de proteger as vacas, go-rakṣaṇa. Por fim, os śūdras servem às três castas mencionadas anteriormente. Esse é o sistema completo de castas védico. Na Śrīmad-Bhagavad-gītā, Kṛṣṇa diz o seguinte verso:
cātur-varṇyaṁ mayā sṛṣṭaṁ
guṇa-karma-vibhāgaśaḥ
tasya kartāram api māṁ
viddhy akartāram avyayam
Bhagavad-gītā (4.13)
[“Conforme os três modos da natureza material e o trabalho atribuído a eles, as quatro divisões da sociedade humana são criadas por Mim. E apesar de ser o criador deste sistema, você deve saber que Eu continuo sendo aquele que não age, sendo imutável.”]
Isso é conhecido como daiva-varṇāśrama-dharma, o sistema de castas Vaiṣṇava. No verso citado anteriormente, Kṛṣṇa disse: “De acordo com as qualificações de uma pessoa, ela deve pertencer a determinada casta.” E de maneira semelhante, Ele explicou a Nanda Mahārāja: “Ó pai, Eu nasci em uma dinastia de pastores. Portanto, este é Meu dever; eu devo fazer isso, especialmente desde a infância.”
Se alguém não pratica algo quando é criança, não conseguirá realizar essa atividade na velhice de maneira apropriada. Pode-se facilmente dobrar um bambu que ainda está verde, por exemplo. Contudo, quando esse bambu envelhece e amadurece, não pode ser dobrado tão facilmente quanto antes. Se tentar dobrá-lo à força, ele se quebrará. Por isso, Kṛṣṇa disse a Nanda Mahārāja: “Desde a infância devo praticar Meus deveres e responsabilidades.” Quando se é jovem, para adquirir conhecimento, é preciso ser estudante, frequentar a escola e depois a faculdade. No entanto, ao envelhecer, já não se aprende com a mesma facilidade de antes.
śrī-prahrāda uvāca
kaumāra ācaret prājño
dharmān bhāgavatān iha
durlabhaṁ mānuṣaṁ janma
tad apy adhruvam arthadam
Śrīmad-Bhāgavatam (7.6.1)
[“Prahlāda Mahārāja disse: ‘Aquele que é suficientemente inteligente deve usar o corpo humano desde o início da vida — ou seja, desde a tenra infância — para praticar atividades de serviço devocional, abandonando todos os outros envolvimentos mundanos. O corpo humano é obtido muito raramente e, embora seja temporário como os outros corpos, ele é significativo, pois na vida humana é possível realizar serviço devocional. Mesmo uma pequena quantidade de serviço devocional sincero pode conceder a perfeição completa.’”]
Em Vraja, especialmente durante o verão, o calor é intenso. Por isso, quando Mãe Yaśodā ouviu Kṛṣṇa pedir ao Seu pai para pastorear as vacas, exclamou: “Não, Kṛṣṇa! Os raios do sol estão muito fortes, e Você não poderá suportá-los. Além disso, como conseguirá andar pelos caminhos de Vṛndāvana? Há muitos espinhos.” Mesmo assim, Kṛṣṇa insistiu: “Eu preciso praticar!” Então, Mãe Yaśodā refletiu consigo mesma: “Como Kṛṣṇa poderá fazer isso?” Por fim, Yaśodā-maiyā e Nanda Mahārāja decidiram: “Tudo bem, Você pode pastorear um bezerro pequeno. Mas vá apenas alguns metros — três ou cinco — e depois volte.” “Não, não. Eu preciso pastorear os bezerros na floresta”, respondeu Kṛṣṇa. É importante entender que, sempre que Kṛṣṇa sai para pastorear, Nanda Bābā e Mãe Yaśodā sentem dores intensas de saudade dEle. Essa primeira vez em que Kṛṣṇa saiu para pastorear os bezerros é conhecida como Govatsa-caraṇa.
Em resposta, Nanda e Yaśodā disseram: “Ouça, Kṛṣṇa. Como Você vai caminhar atrás dos bezerros e das vacas? Você precisa usar sapatos.” “Não. As vacas e os bezerros são nossos iṣṭa-devas”, respondeu Kṛṣṇa. Iṣṭa-deva significa “deidade adorável”, e, segundo as śāstras (escrituras), nunca se deve usar sapatos diante do guru ou da Ṭhākurajī. Kṛṣṇa aplicou essa lógica de forma muito sensata ao dizer: “As vacas e os bezerros são nossos iṣṭa-devas. Então, como Eu poderia usar sapatos diante deles?” Sempre se lembrem que Kṛṣṇa é muito inteligente.
namo brahmaṇya-devāya
go-brāhmaṇa-hitāya ca
jagad-dhitāya kṛṣṇāya
govindāya namo namaḥ
Viṣṇu Purāṇa (1.19.65)
[“Meu Senhor, Você é o benquerente das vacas e dos brāhmaṇas, e é o benquerente de toda a sociedade humana e do mundo.”]
Nanda e Yaśodā insistiram com Kṛṣṇa: “Ouça, as vacas conseguem andar em qualquer lugar porque têm cascos. Se pisarem em pedras afiadas, não sentirão dor. Como Você poderá caminhar atrás delas sem calçados? Você precisa usá-los.” “Tudo bem, posso usar calçados”, respondeu Kṛṣṇa. “Mas, antes, vocês também devem oferecer calçados para todas as vacas e bezerros. E, para isso, precisarão de uma grande fábrica de sapatos! Então, terei que ir descalço.” Kṛṣṇa respondeu com astúcia.
Assim, hoje é o primeiro dia em que Kṛṣṇa levou Suas vacas e bezerros para pastar. De acordo com as regras e regulamentos de nossos śāstras, para proteção, os brāhmaṇas recitam mantras especiais ou alguns stava-stutis (orações e glorificações), como: “om svasti no govindaḥ svasti no acyutanantau svasti no…” Mãe Yaśodā pensou: “Kṛṣṇa vai se afastar muito, e talvez alguns piśācī, fantasmas ou espíritos, tentem atacá-lO.” Esse tipo de pensamento surge devido ao intenso vatsalya-bhāva, o sentimento parental que ela sente pelo seu jovem filho Kṛṣṇa. Então, Mãe Yaśodā aplicou doze tilakas (marcas de argila sagrada na testa e em outras partes do corpo) sobre Kṛṣṇa e O protegeu com esses mantras especiais. Vejam só quanto amor e afeição, vatsalya-bhāva, eles têm por Ele!
Dessa forma, Śrī Kṛṣṇa está amadurecendo. O termo “vanād vanam” significa que Ele conduz as vacas de uma floresta para outra. Na verdade, a principal razão de Kṛṣṇa percorrer as florestas com as vacas é procurar pelas gopīs. Ele usa o pastoreio apenas como pretexto, pois Rādhā e Lalitā sentem profunda saudade dEle. Śrīla Śukadeva Gosvāmipāda descreveu lindamente esses passatempos com mais detalhes em seu livro Venu-gītā. Hoje é o momento ideal para recordar essas atividades transcendentais, pois é o dia sumamente auspicioso de Gopāṣṭamī e Aṣṭamī-tithi — o oitavo dia após a lua nova.
Gaura Premānande!
Hari Haribol!
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Tradução e edição: Taruṇī-gopī dāsī (SP)
Revisão: Līlā-govinda dāsa (MG)


