Nṛsiṁha-caturdaśī — O Advento do Senhor Nṛsiṁhadeva
- Vana Madhuryam Brasil
- há 1 dia
- 22 min de leitura

Śrīla Bhaktivedanta Vana Gosvāmī Mahārāja
6 de maio de 2020, Zoom
Hoje é um dia super excelente e auspicioso, pois é o dia em que nós celebramos o advento, ou āvirbhāva-tithi, do Senhor Nṛsiṁhadeva. Ontem, discutimos a respeito da história do Senhor Nṛsiṁhadeva e Prahlāda Mahārāja, finalizando a aula com o passatempo dos quatro Kumāras.
Nós discorremos sobre como os quatro Kumāras abandonaram a sua meditação no Brahman para irem até Vaikuṇṭha-dhāma. Ao chegarem lá, eles amaldiçoaram os porteiros Jaya e Vijaya a nascerem três vezes neste mundo material como demônios. Desse modo, em Satya-yuga, Jaya e Vijaya nasceram como Hiraṇyākṣa e Hiraṇyakaśipu. Em Tretā-yuga, eles nasceram como Rāvaṇa e Kumbhakarṇa. E por fim, em Dvāpara-yuga, eles nasceram como Śiśupāla e Dantavakra.
Agora, vamos tratar do kathā (a narrativa) sobre Prahlāda Mahārāja e Nṛsiṁha Bhagavan, o qual é muito importante. O Senhor Caitanya Mahāprabhu pedia repetidamente a Gadādhara Paṇḍita: “Eu quero ouvir nṛsiṁha-prahlāda-kathā.”
Hiraṇyākṣa perturbou a todos e havia conquistado os três sistemas planetários. Após esse feito, ele ainda tentou conquistar o planeta celestial, Svargaloka. No entanto, Indra, que era muito esperto, disse a ele: “Primeiramente, você deve derrotar o Senhor Viṣṇu.” Indra lhe explicou até mesmo como isso poderia ser feito: “Você precisa sequestrar a consorte do Senhor Viṣṇu, a Mãe Terra (Pṛthivī-devi).”
Desse modo, Hiraṇyākṣa sequestrou Pṛthivī-devi e a afundou nas águas do Oceano Garbhodaka. Em seguida, o Senhor Varāhadeva se manifestou da narina de Brahmājī, mergulhou nas águas do oceano, colocou Pṛthivī-devi em suas presas e a reposicionou em seu local original. Ao presenciar essa cena, Hiraṇyākṣa começou a gritar e proferir palavras rudes. Minutos depois, o Senhor Varāhadeva engajou-se em uma batalha contra Hiraṇyākṣa e matou o demônio.
Hiraṇyakaśipu desejou vingar a morte de seu irmão
Mais tarde, seu irmão Hiraṇyakaśipu, tomado pela ira, fez um voto: “Eu devo me vingar de quem matou meu irmão, Hiraṇyākṣa.” Com esse propósito, ele começou a realizar austeridades severas dirigidas ao Senhor Brahmā, no intuito de obter dele a imortalidade. Ele manteve essas austeridades por milhares e milhares de anos. Diferentes Purāṇas, como o Nṛsiṁha Purāṇa, explicam que Hiraṇyakaśipu deixou seu lar e adentrou uma floresta para realizar austeridades dirigidas a Brahmājī.
Nesse meio-tempo, Nārada Ṛṣi e Parvata Ṛṣi manifestaram-se nessa floresta sob a forma de dois pássaros. Enquanto Hiraṇyakaśipu entoava o mantra para Brahmājī: “oṁ namo brahmaṇe namaḥ”, os dois pássaros entoavam continuamente: “oṁ nārāyaṇāya namaḥ”. Embora outros Purāṇas declarem que os pássaros cantaram “oṁ viṣṇave namaḥ”, o Nṛsiṁha Purāṇa afirma que eles cantaram o mantra “oṁ nārāyaṇāya namaḥ”.
Após ouvir esse mantra, a mente de Hiraṇyakaśipu ficou muito perturbada e, às vezes, ele também entoava: “oṁ nārāyaṇāya namaḥ”. Foi então que ele perguntou a si mesmo: “Por que eu estou cantando o nome do meu inimigo?”
Hiraṇyakaśipu decidiu que aquele não era um momento auspicioso para continuar com a prática ascética. Ele, então, se retirou daquele local onde estava realizando as suas austeridades há milhares de anos e retornou para casa, visando se encontrar com sua esposa, Kayādhu. Algum tempo depois, Kayādhu ficou grávida.
Novamente, Hiraṇyakaśipu deixou o seu lar para voltar àquele local onde ele continuou realizando austeridades árduas para Brahmājī. Satisfeito, Brahmā surgiu diante de Hiraṇyakaśipu e lhe perguntou: “Qual bênção você deseja?” Hiraṇyakaśipu respondeu: “Eu quero me tornar imortal.” No entanto, Brahmājī disse: “Isso é impossível de se conceder, pois quem nasce neste mundo material está destinado a morrer.”
jātasya hi dhruvo mṛtyur
dhruvaṁ janma mṛtasya ca
Bhagavad-gita (2.27)
[Para aquele que nasce, a morte é certa e, após a morte, ele voltará a nascer. Portanto, no inevitável cumprimento do dever, você não deve se lamentar.]
Brahmā continuou: “Essa é a lei da natureza, portanto, não posso lhe conceder a bênção da imortalidade.” Hiraṇyakaśipu, então, pediu: “Conceda-me a seguinte bênção: que eu não morra nem durante o dia nem durante a noite; que eu não morra na terra, na água ou no céu; que eu não morra em nenhum mês nem em nenhum ano; que eu não seja morto por espada nem por qualquer tipo de arma, e que eu não seja morto por nenhum ser humano nem por qualquer animal.”
Quando Hiraṇyakaśipu fez esse pedido, Brahmājī disse: “Está bem, eu lhe concedo essas bênçãos.” Foi então que Hiraṇyakaśipu riu e disse: “Brahmā, você é um tolo! Na verdade, eu acabei de receber indiretamente de você a bênção da imortalidade!”
Prahlāda ouve de Nārada Ṛṣi os passatempos do Senhor
Śukadeva Gosvāmī contou a Parīkṣit Mahārāja que quando Hiraṇyakaśipu deixou o seu lar para realizar austeridades severas, a sua esposa Kayādhu estava grávida. Enquanto ele estava longe, o rei do céu, Indra, foi até o palácio de Hiraṇyakaśipu e pensou: “Kayādhu está grávida e pode ser que outro demônio esteja em seu ventre. Por isso, eu devo matá-la.”
“Nā rahega bāṃs, nā bajegī bāṃsurī — se não houver bambu, a flauta não poderá ser tocada”. Indra pensou: “Se eu matar Kayādhu, o bebê em seu ventre também irá morrer. Assim, o nascimento de um demônio será evitado.” Visando executar o seu plano, Indra se disfarçou de Hiraṇyakaśipu e se encontrou com Kayādhu. Após utilizar palavras muito doces, ele conseguiu raptá-la, assim como Rāvaṇa raptou Sītā-devi.
Indra colocou Kayādhu em sua carruagem e seguiu em direção ao planeta celestial, Svargaloka. No caminho, Nārada Ṛṣi apareceu diante dele e lhe disse: “Ó Indra, por que você está fazendo isso? Você sabia que um grande devoto está no ventre de Kayādhu? Esse grande devoto é uma personalidade elevada, de alta classe — ele é um uttama-bhagavata. Se você matar Kayādhu, esse grande devoto irá morrer e você acabará cometendo, assim, uma ofensa grave. Por causa desta vaiṣṇava-aparādha (ofensa ao Vaiṣṇava), você perderá a sua posição de autoridade dos planetas celestiais.”
Após ouvir isso, Indra, muito humildemente, perguntou: “Ó Gurudeva, o que devo fazer agora?” “Mantenha Kayādhu no meu āśrama (eremitério)”, respondeu Nārada Ṛṣi. Assim, Kayādhu seguiu para o āśrama, onde todos os dias o sábio Nārada lhe narrava com muita doçura os passatempos nectários de Kṛṣṇa.
Anos depois, Prahlāda Mahārāja contou a todos os seus amigos como ele obteve mahat-saṅga — a companhia de uma grande personalidade como Nārada Ṛṣi — enquanto ainda estava no ventre de sua mãe, Kayādhu. Foi devido a essa convivência que ele aprendeu todos os tattvas (conclusões filosóficas) e ensinamentos dos śāstras (textos sagrados). Esse kathā (narrativa) também é mencionado no Nṛsiṁha Purāṇa.
A vida anterior de Prahlāda
Certa vez, surgiu em Prahlāda Mahārāja o desejo de perguntar ao Senhor Nṛsiṁhadeva como ele veio a desenvolver em seu coração a devoção pelos Seus pés de lótus. O Senhor Nṛsiṁhadeva respondeu: “Prahlāda, ouça! Em tempos remotos, houve um brāhmaṇa (sacerdote) chamado Vasu Śarma, o qual residia na cidade de Avantī-nagara. Ele tinha pleno conhecimento dos Vedas, dos Purāṇas e das Upaniṣads. A sua esposa casta, Suśīlā, deu-lhe cinco filhos. Os quatro primeiros eram muito bons e possuíam uma conduta apropriada. Você foi o quinto filho dela, o mais novo. Entretanto, naquela vida, você se atraiu por prostitutas e acabou perdendo completamente o seu caráter. Seu nome era Vasudeva e todos te conheciam assim, pois era filho de Vasu Śarma.”
“Você foi muito apegado a uma determinada prostituta e, certa vez, durante uma discussão com ela, vocês brigaram tanto que passaram o dia e a noite inteiros sem comer nada. Assim, por acidente, vocês acabaram observando um jejum completo justamente no dia do Meu advento, conhecido como Nṛsiṁha-caturdaśī. Portanto, sem saber, você e sua esposa — que era aquela prostituta — observaram esse dia sagrado. Graças a esse mérito, você se tornou um grande devoto. Aquela prostituta, ao morrer, assumiu a forma de uma apsara, ascendendo aos planetas celestiais, onde então pôde desfrutar de todas as formas de gratificação sensorial.”
“Após desfrutar de todos os tipos de prazeres sensoriais por muitos anos nos planetas celestiais, ela se tornou Minha grande devota, assim como você, que também se tornou Meu devoto puro”, concluiu o Senhor Nṛsiṁhadeva. Nossos śāstras (textos sagrados), como o Nṛsiṁha Purāṇa, explicam que, se alguém observa Nṛsiṁha-caturdaśī conscientemente ou não, tal pessoa se converte em um devoto puro do Senhor Nṛsiṁhadeva.
Nṛsiṁhadeva concede a Sua misericórdia a todos. Por esse motivo, o Nṛsiṁha Purāṇa glorifica como, mesmo tendo realizado muitas atividades pecaminosas em vida anterior, Prahlāda Mahārāja [que era Vasu Śarma], apenas por observar inconscientemente o Nṛsiṁha-caturdaśī, se tornou um devoto puro do Senhor. Na verdade, Prahlāda Mahārāja é um companheiro eterno do Senhor Kṛṣṇa, logo, ele realizou essa līlā (atividade) sob a influência de Yogamāyā.
Hiraṇyakaśipu ordena um ataque aos sādhus
Retornando a história: após receber a bênção de Brahmājī, Hiraṇyakaśipu voltou ao seu palácio e declarou: “Agora eu sou imortal, e ninguém deverá adorar Viṣṇu! Em vez disso, todos devem adorar a minha vigraha (forma). Bolo Hiraṇyakaśipu kī jaya!” Com isso, todos deveriam agora oferecer glórias a Hiraṇyakaśipu, e ninguém mais podia dizer “jaya” ao Senhor Viṣṇu, pois se alguém O adorasse, sofreria uma punição severa de Hiraṇyakaśipu.
Hiraṇyakaśipu enviou todo o seu exército às ruas, e os soldados viajavam de vila em vila para matar qualquer um que estivesse adorando o Senhor Viṣṇu. Inclusive, Hiraṇyakaśipu destruiu todos os templos dedicados a Viṣṇu e, em seu lugar, construiu novos templos em sua própria homenagem. Pessoas de todas as regiões eram obrigadas a adorá-lo. Durante esse período, os soldados de Hiraṇyakaśipu prendiam e espancavam cruelmente os sādhus (santos) e sannyāsīs (monges renunciados).
Após Kayādhu dar à luz a Prahlāda, quando ele tinha apenas cinco anos, ele retornou com sua mãe ao palácio de Hiraṇyakaśipu. Ao ver seu filho, uma criança tão bela e encantadora, Hiraṇyakaśipu ficou muito feliz e declarou: “Prahlāda será meu herdeiro! Após a minha morte, ele se tornará o rei deste palácio.”
Por essa razão, Hiraṇyakaśipu disse: “Prahlāda, você deve aprender todos os tipos de políticas e adquirir todos os tipos de conhecimento.” Hiraṇyakaśipu desejava matricular Prahlāda na escola do asura-guru (mestre dos demônios), Śukrācārya. Entretanto, naquela época, Śukrācārya não estava presente, e Prahlāda foi admitido no colégio de dois de seus discípulos: Ṣaṇḍa e Amarka. Ṣaṇḍa significa “touro” e Amarka significa “macaco”. Após a inscrição de Prahlāda, Hiraṇyakaśipu deu a seguinte orientação: “Ó Ṣaṇḍa e Amarka, ensinem perfeitamente todas as lições ao meu filho.” Ao que eles responderam prontamente: “Sim, Vossa Alteza! Com certeza! Daremos a ele os melhores ensinamentos.”
Os ensinamentos de Prahlāda
Após três meses, quando Prahlāda retornou da escola de Ṣaṇḍa e Amarka, Hiraṇyakaśipu perguntou a seu filho: “O que você aprendeu no āśrama (eremitério) de seus gurus?” Prahlāda Mahārāja, com grande coragem e palavras doces, então respondeu:
tat sādhu manye 'sura-varya dehināṁ
sadā samudvigna-dhiyāmasad-grahāt
hitvātma-ghātaṁ gṛham andha-kūpaṁ
vanaṁ gato yad-dharim āśrayeta
Śrīmad-Bhāgavatam (7.5.5)
[Prahlāda Mahārāja respondeu: "Ó melhor dos asuras, rei dos demônios, conforme aprendi com meu mestre espiritual, qualquer pessoa que tenha aceitado um corpo temporário e uma vida doméstica temporária, certamente é angustiada pela ansiedade, pois caiu em um poço escuro onde não há água, mas apenas sofrimento. Tal pessoa deve abandonar essa posição e ir para a floresta (vana). Mais especificamente, deve ir para Vṛndāvana, onde a consciência de Kṛṣṇa é predominante, e refugiar-se, assim, na Suprema Personalidade de Deus."]
Prahlāda Mahārāja disse: “Ó meu pai, você é o melhor entre os demônios, asura-varya. Ouça a lição que aprendi com meu mestre espiritual: tat sādhu manye ’sura-varya dehināṁ, sadā samudvigna-dhiyām asad-grahāt — esta vida familiar é como um poço profundo, escuro, sem água e que causa grande sofrimento. Aquele que entra na vida familiar prejudica completamente a sua vida, assim como alguém que pula em um poço profundo, escuro e seco.”
Gṛham andha-kūpaṁ — a vida familiar é como andha-kūpaṁ, um poço escuro. Nosso Śrīla Viśvanātha Cakravartī explicou isso de maneira muito bela e detalhada. Ele conta que, certa vez, um homem entrou em uma floresta e se deparou com um tigre que começou a persegui-lo. Enquanto fugia, ele avistou um poço completamente seco. Acima do poço, estavam os galhos de uma árvore. Rapidamente, ele pulou e agarrou-se a um galho, ficando pendurado sobre o poço. O tigre chegou logo em seguida e começou a rugir. O homem, então, percebeu que dentro do poço havia uma cobra, a qual erguendo seu capelo, começou a sibilar.
Ao mesmo tempo, o homem viu que havia um elefante esfregando o corpo contra a árvore, ao ponto de fazer toda a árvore balançar, e no topo dessa árvore havia uma colmeia com abelhas que logo começaram a zumbir. Aquelas abelhas acabaram picando o corpo daquele homem, mas ele não podia fazer nada, pois precisava segurar o galho com as suas duas mãos.
Ele, então, percebeu que dois ratos — um branco e um preto — começaram a roer com seus dentes afiados o galho no qual ele estava pendurado. Diante dessa situação, ele pensou: “O que farei agora?” De repente, ao olhar para o topo da árvore, ele viu que algumas gotas de mel estavam caindo, e refletiu: “Preciso provar a doçura desse mel.”
O homem levantou a língua, e a primeira gota caiu na ponta do seu nariz, fazendo com que ele não conseguisse prová-la. Em seguida, ele esperou pela próxima gota, mas ela caiu um pouco distante, impossibilitando-o novamente de prová-la. Finalmente, a terceira gota caiu diretamente em sua língua, e ele pensou: “Ah, como isso é doce!” Nesse meio-tempo, os ratos branco e preto roeram completamente o galho, que se partiu, fazendo-o cair no fundo do poço. Por fim, a cobra o picou, e ele acabou falecendo.
Śrīla Viśvanātha Cakravartīpāda explica o significado dessa história: o tigre e a cobra representam a morte, mṛtyur dhruvaṁ. Afinal, hoje, amanhã, depois de amanhã ou dentro de cem anos, todos nós morreremos. Os ratos branco e preto, outro simbolismo, representam o dia e a noite. Ambos estão consumindo o nosso tempo: a cada dia e a cada noite que passam, nós perdemos um dia da duração de nossas vidas. Isso significa que todos nós estamos caminhando em direção ao oceano da morte. Śrīla Bhaktivinoda Ṭhākura fala sobre isso em uma de suas canções:
cañcala-jīvana-srota pravāhiyā, kālera sāgare dhāya
gelô ĵe divasa, nā āsibe āra, ebe kṛṣṇa ki upāya
Śrī Rādhā-Kṛṣṇa Pada-kamale Mana (6)
[Essa corrente agitada da vida flui, correndo rumo ao oceano do tempo (morte). Os dias que se foram não voltarão mais. Ai de mim, Kṛṣṇa, o que devo fazer agora?]
Todos nós estamos seguindo em direção ao oceano da morte. Outro símbolo dessa história, o elefante se coçando na árvore, representa os diversos desejos por satisfação sensorial. As abelhas simbolizam os membros familiares, que constantemente nos "picam", pedindo: “Dinheiro, dinheiro, dinheiro”, e criam inúmeros problemas para nós. Por fim, o mel representa o amor e o afeto provenientes desses mesmos familiares.
Prahlāda Mahārāja resumiu belamente o significado dessa história: “tat sādhu manye ’sura-varya dehināṁ, sadā samudvigna-dhiyām asad-grahāt… Ó meu pai, penso que devo abandonar esta vida familiar e ir para Vṛndāvana. Lá, devo me abrigar aos pés de lótus de um sādhu (santo) fidedigno que esteja completamente entregue aos pés de lótus de Viṣṇu — um viṣṇu-bhakta. Assim, minha vida será bem-sucedida.”
“Dharim āśrayeta — abrigar-se aos pés de lótus de Śrī Hari”. Quando Hiraṇyakaśipu ouviu essas palavras — Śrī Hari — ele ficou extremamente irado e gritou: "Ei, seu tolo! Por que você está pronunciando o nome do meu inimigo, aquele que matou meu irmão Hiraṇyākṣa? Eu já fiz um voto: devo matar Viṣṇu!"
Furioso, Hiraṇyakaśipu arrancou Prahlāda de seu colo e o lançou longe, proferindo-lhe palavras rudes. Seus súditos tentaram acalmá-lo: “Ó rei, ele é apenas um garoto, e tem só cinco anos. Ele ainda não sabe discernir entre o que é bom e o que é ruim. Não se preocupe. Apenas envie-o de volta à escola de Ṣaṇḍa e Amarka. Talvez agora eles consigam ensiná-lo as lições corretas.”
Após alguns meses, Hiraṇyakaśipu se encontrou mais uma vez com seu filho Prahlāda e lhe perguntou: "O que você aprendeu? Qual foi a melhor lição de seus professores?" Ao que Prahlāda Mahārāja respondeu:
śravaṇaṁ kīrtanaṁ viṣṇoḥ
smaraṇaṁ pāda-sevanam
arcanaṁ vandanaṁ dāsyaṁ
sakhyam ātma-nivedanam
iti puṁsārpitā viṣṇau
bhaktiś cen nava-lakṣaṇā
kriyeta bhagavaty addhā
tan manye ’dhītam uttamam
Śrīmad-Bhāgavatam (7.5.23–24)
[Prahlāda Mahārāja disse: Ouvir e cantar a respeito do santo nome, da forma, das qualidades, da parafernália e dos passatempos do Senhor Viṣṇu, que são todos transcendentais; lembrar-se deles, servir aos pés de lótus do Senhor, oferecer ao Senhor respeitosa adoração com dezesseis classes de artigos, oferecer orações ao Senhor, tornar-se Seu servo, considerar o Senhor o melhor amigo de todos e Lhe entregar tudo (em outras palavras, servi-lo com corpo, mente, palavras) — esses nove processos são aceitos como serviço devocional puro. Alguém que dedicou a sua vida a servir a Kṛṣṇa por meio desses nove métodos deve ser considerado a pessoa mais erudita, pois adquiriu o conhecimento completo.]
Prahlāda Mahārāja continuou: “Ó meu pai, eu aprendi a melhor lição — a de que devo ouvir viṣṇu-kathā.” Ao ouvir isso, Hiraṇyakaśipu ficou furioso e perguntou: “Foi essa a lição que seus professores Ṣaṇḍa e Amarka lhe deram?” Prahlāda Mahārāja respondeu: “Como seria possível que esses gurus tolos me dessem esse tipo de lição? Eles não entendem nada sobre Viṣṇu.” Em seguida, Prahlāda proferiu esses belos ślokas (versos):
matir na kṛṣṇe parataḥ svato vā
mitho ’bhipadyeta gṛha-vratānām
adānta-gobhir viśatāṁ tamisraṁ
punaḥ punaś carvita-carvaṇānām
Śrīmad-Bhāgavatam (7.5.30)
[Devido aos seus sentidos descontrolados, pessoas excessivamente viciadas na vida materialista progridem em direção a condições infernais e mastigam repetidamente o que já foi mastigado. Suas inclinações por Kṛṣṇa nunca são despertadas, seja pelas instruções de outros, por seus próprios esforços ou por uma combinação de ambos.]
na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇuṁ
durāśayā ye bahir-artha-māninaḥ
andhā yathāndhair upanīyamānās
te ’pīśa-tantryām uru-dāmni baddhāḥ
Śrīmad-Bhāgavatam (7.5.31)
[As pessoas que estão fortemente absortas na consciência de desfrutar da vida material e que, portanto, aceitaram como seu líder ou guru outro homem cego apegado aos objetos sensoriais externos, não podem entender que a meta da vida é regressar ao lar, regressar ao Supremo, e se ocupar a serviço do Senhor Viṣṇu. Assim como homens cegos guiados por outro cego saem do caminho correto e caem em um buraco, os homens materialmente apegados e liderados por outro homem materialmente apegado são atados pelas cordas do trabalho fruitivo, que são feitas de fios muito fortes. Assim, eles persistem na vida materialista e sofrem com as três classes de misérias.]
Prahlāda continuou: “Ó meu pai, ouça. Como seria possível que esses professores tolos pudessem nos dar a melhor lição? Eles não têm ideia do que seja viṣṇu-bhakti ou viṣṇu-bhajana. Na te viduḥ svārtha-gatiṁ hi viṣṇuṁ, durāśayā ye bahir-artha-māninaḥ — eles estão completamente absortos na gratificação material dos sentidos. Como tais gurus que se dedicam completamente ao desfrute material, sem controlar a sua luxúria ou a sua raiva, poderiam me ensinar essa lição perfeita de viṣṇu-bhakti? Isso seria comparável a um homem cego a conduzir outro homem cego — ambos acabariam caindo numa vala.”
Prahlāda Mahārāja, dessa forma, explicou o motivo de ele não poder ter aprendido o śāstra (ensinamentos) de tais “sad-gurus” (mestres verdadeiros). Claro que, após ouvir isso, Hiraṇyakaśipu ficou novamente muito irado e pensou: “Eu tenho que matar Prahlāda! Agora, ele é como um machado, e Viṣṇu é como o cabo do machado, ou seja, Viṣṇu está invisivelmente tentando destruir a minha dinastia!”
Hiraṇyakaśipu ficou furioso com as palavras de Prahlāda e decidiu que deveria matá-lo. Ele tentou acabar com a sua vida várias vezes. Em uma ocasião, ele ordenou que seu filho fosse jogado nas águas do oceano. Em outra, ele tentou matá-lo colocando-o sob as patas de elefantes enfurecidos. Em uma situação diferente, ele lançou Prahlāda no fogo, e posteriormente, também ordenou que Prahlāda fosse colocado diante de uma cobra venenosa para ser picado por ela. No entanto, Prahlāda era completamente entregue ao Senhor Viṣṇu. Por essa razão, o Senhor o protegia, e apesar das repetidas tentativas de seu pai, Prahlāda nunca morria.
Prahlāda envolve seus colegas de classe em bhakti
Após ser colocado no colégio por seu pai pela segunda vez, Prahlāda Mahārāja disse a todos os seus colegas: "Ó meus amigos, ouçam, todos devem praticar bhajana e sādhana (prática devocional ao Senhor) desde cedo."
kaumāra ācaret prājño
dharmān bhāgavatān iha
Śrīmad-Bhāgavatam (7.6.1)
[Aquele que é suficientemente inteligente deve utilizar o seu corpo humano desde o início da vida — em outras palavras, desde a tenra idade da infância — para praticar as atividades do serviço devocional, abandonando todas as outras ocupações.]
Prahlāda disse: “Por favor, ouçam. Todos aqui devem realizar bhajana e sādhana para o Senhor Kṛṣṇa. Ele é Viṣṇu. Sem adorar e servir devotadamente ao Senhor Viṣṇu, a nossa vida é inútil.” Os estudantes, então, perguntaram a Prahlāda: “Como você veio a saber a respeito do serviço ao Senhor Viṣṇu? Nós também nascemos na dinastia de demônios e nunca havíamos escutado essas narrativas. Você nos contou os doces e belíssimos passatempos do Senhor e agora estamos ávidos por ouvir mais dos seus lábios de lótus. Nem mesmo nossos gurus, Ṣaṇḍa e Amarka, conhecem essas histórias. Eles nunca nos falaram esses kathās (narrativas). Como você pode saber tudo isso?”
Prahlāda Mahārāja respondeu: "Enquanto eu ainda estava no ventre de minha mãe, Kayādhu, meu guru, Nārada Ṛṣi, recitou todos esses kathās, e eu os ouvi a partir de lá. Foi assim que aprendi tudo. Meu guru original é Nārada Ṛṣi.” Em seguida, os colegas perguntaram: “Mas como você compreendeu todos esses assuntos espirituais?” Ao que Prahlāda Mahārāja respondeu: “Ó meus irmãos, por favor, ouçam…”
guru-śuśrūṣayā bhaktyā
sarva-labdhārpaṇena ca
saṅgena sādhu-bhaktānām
īśvarārādhanena ca
śraddhayā tat-kathāyāṁ ca
kīrtanair guṇa-karmaṇām
tat-pādāmburuha-dhyānāt
tal-liṅgekṣārhaṇādibhiḥ
Śrīmad-Bhāgavatam (7.7.30–31)
[Deve-se aceitar o mestre espiritual genuíno e prestar-lhe serviço com grande devoção e fé. Tudo o que se possui deve ser oferecido ao mestre espiritual, e na companhia de pessoas santas e devotos, deve-se adorar o Senhor, ouvir as glórias do Senhor com fé, glorificar as qualidades e atividades transcendentais do Senhor, meditar sempre nos pés de lótus do Senhor e adorar a Deidade do Senhor estritamente de acordo com as injunções do śāstra e do guru.]
Prahlāda Mahārāja disse: "Guru-śuśrūṣayā bhaktyā significa prestar serviço aos pés de lótus do guru. Sarva-labdhārpaṇena ca é oferecer aos seus pés de lótus tudo o que se possui, em serviço. Assim, por meio da convivência com o guru e da prática de bhajana e sādhana, você alcançará o seu objetivo supremo — alcançará o Senhor."
Prahlāda Mahārāja, portanto, transmitiu muitas lições doces a seus colegas de classe. Agora, todos tinham fé. Esses estudantes passaram a praticar bhajana e sādhana, cantando os santos nomes do Senhor. Juntos, eles cantavam:
hari haraye namaḥ kṛṣṇa yādavāya namaḥ
yādavāya mādhavāya keśavāya namaḥ
gopāla govinda rāma śrī-madhusūdana
giridhārī gopīnātha madana-mohana
Hari Haraye Namaḥ Kṛṣṇa (1–2), de Śrīla Narottama Dāsa Ṭhākura
[Eu ofereço praṇāma (reverência) a Ti. Ó Hari, Ó Kṛṣṇa, Ó Yādava, Ó Mādhava, Ó Keśava! Ó Gopāla, Govinda, Rāma, Śrī Madhusūdana! Ó Giridhārī, Gopīnātha, Madana-mohana!]
Prahlāda Mahārāja, assim, reuniu todos os seus amigos, e juntos, eles realizaram nāma-saṅkīrtana (o canto congregacional dos santos nomes do Senhor). Os seus dois professores, Ṣaṇḍa e Amarka, testemunhando aquilo, correram para contar tudo a Hiraṇyakaśipu: “Ó nosso mestre, Hiraṇyakaśipu, ouça! Desde que este grande devoto, Prahlāda, entrou em nossa escola, todos os estudantes foram completamente influenciados por suas boas atividades. O que devemos fazer agora?”
Nṛsiṁhadeva aparece do pilar
Hiraṇyakaśipu ficou novamente furioso e chamou Prahlāda: “Você está sempre dizendo: ‘Viṣṇu, Viṣṇu, Viṣṇu!’, mas onde está o seu Viṣṇu?” Prahlāda Mahārāja, muito corajosamente — nirbhayā (sem medo) — e sem hesitar, respondeu: “Ó meu pai, o nome d’Ele é Viṣṇu. Vyapnoti iti viṣṇuḥ — Ele é chamado assim porque está presente em toda parte.” Hiraṇyakaśipu, então, perguntou: “Ele está neste pilar?” “Claro!”, respondeu Prahlāda, ao que Hiraṇyakaśipu retrucou: “Se você pode ver o Senhor Viṣṇu nesse pilar, por que eu não posso?”
Prahlāda respondeu: “Aqueles cujos olhos estão livres de māyā (ilusão) podem ver o Senhor Viṣṇu. No entanto, meu pai, os seus olhos estão completamente cobertos pela ilusão e pelo seu falso ego. Por isso, você não consegue vê-lO.” “Eu não acredito no Senhor Viṣṇu!”, retrucou Hiraṇyakaśipu de imediato. “Viṣṇu está aqui e em toda parte”, disse Prahlāda com humildade. Essas palavras deixaram Hiraṇyakaśipu profundamente irado. Em resposta, com força, ele golpeou o pilar (stambha) usando de sua gadā (maça), para testá-lo. Em poucos segundos, uma enorme tempestade se formou, seguida por um estrondo ensurdecedor. O corpo de Hiraṇyakaśipu começou a tremer. Então, de repente, o Senhor Nṛsiṁhadeva surgiu: “Raaaahhhrr!”
A princípio, Hiraṇyakaśipu pensou: "Talvez seja apenas um leão chegando..." Por isso, ele começou a rir e a zombar, dizendo coisas como: "Você não pode me matar!" Mas o Senhor Nṛsiṁhadeva se pôs a lutar com Hiraṇyakaśipu. Assim, o Senhor pôde experimentar a Sua vīrya-rasa (sentimento heroico). O Nṛsiṁha Purāṇa explica que, por vezes, a gadā caía das mãos de Hiraṇyakaśipu, e então, enquanto lutava com Nṛsiṁhadeva, ele às vezes triunfava, e outras era derrotado.
Ao fim, o Senhor Nṛsiṁhadeva capturou Hiraṇyakaśipu e o segurou sobre as Suas coxas (ūru, que significa coxas em sânscrito). Hiraṇyakaśipu então disse: "Você não pode me matar, pois eu recebi a bênção da imortalidade de Brahmājī." "O que você pediu a Brahmā?" perguntou o Senhor Nṛsiṁhadeva. "Que eu não viesse a morrer no céu nem na terra", respondeu Hiraṇyakaśipu. Ao ouvir isso, o Senhor Nṛsiṁhadeva disse: "Isso é verdade. Porém, agora você não está nem no céu nem na terra. Você está no meu colo."
Hiraṇyakaśipu disse: “Outra bênção que recebi do Senhor Brahmā foi que não morrerei dentro ou fora de nenhum local.” Ao que o Senhor Nṛsiṁhadeva respondeu: “Mas você não está nem dentro nem fora de lugar algum. Você está no limiar da entrada deste local. Há alguma outra bênção?” Hiraṇyakaśipu respondeu rapidamente: “Sim, eu não posso ser morto por nenhuma arma (astra)!” Nṛsiṁhadeva respondeu: “Veja, Minhas unhas são extremamente afiadas. Vou matá-lo sem o uso de nenhuma arma.” “Eu não vou morrer!” afirmou corajosamente Hiraṇyakaśipu.
“Alguma outra bênção?” indagou o Senhor Nṛsiṁhadeva. “Sim! Brahmājī também me concedeu a bênção de que eu não poderei ser morto por nenhum ser humano nem por nenhum animal criado por Viṣṇu ou Brahmā.” Nṛsiṁhadeva respondeu habilmente: "Veja, eu não sou nem um ser humano nem um animal, e não fui criado por Brahmā — Eu sou Viṣṇu, Svatantra Bhagavān. Há mais alguma bênção?" "Sim! Eu não vou morrer em mês algum!", respondeu Hiraṇyakaśipu. "O mês em que estamos agora é conhecido como adhika-māsa, o mês excedente [ou seja, ele não é considerado tal como os meses comuns]", esclareceu o Senhor.
O Senhor Nṛsiṁhadeva, assim, segurando Hiraṇyakaśipu sobre Suas coxas, rasgou o peito dele com as Suas belas unhas. Śrīla Jayadeva Gosvāmī glorificou magnificamente esse momento:
tava kara-kamala-vare nakham adbhuta-śṛṅgaṁ
dalita-hiraṇyakaśipu-tanu-bhṛṅgam
keśava dhṛta-narahari-rūpa jaya jagadīśa hare
Śrī Gīta-govinda, de Jayadeva Gosvāmī
[Sobre os belos lótus de Suas mãos, as Suas unhas, com suas pontas incríveis, rasgaram o corpo de Hiraṇyakaśipu, que se assemelhava a uma vespa. Ó Keśava, que assumiu a forma de homem-leão, todas as glórias a Ti, ó Senhor do Universo, ó Hari!]
No Gīta-govinda, Śrī Jayadeva Gosvāmipāda glorifica belamente o Senhor Nṛsiṁhadeva e Hiraṇyakaśipu. Devido à nossa concepção corpórea limitada, costumamos pensar que Hiraṇyakaśipu era apenas um demônio. No entanto, neste contexto, Jayadeva Gosvāmipāda explica que Hiraṇyakaśipu é como uma abelha negra (bhramara), enquanto as mãos do Senhor Nṛsiṁhadeva são como o lótus desabrochado, e as pétalas desse lótus representam as Suas unhas.
tava kara-kamala-vare nakham adbhuta-śṛṅgaṁ
dalita-hiraṇyakaśipu-tanu-bhṛṅgam
Virodhābhāsa-alaṅkāra (uma aparente contradição) está presente aqui. Normalmente, sabemos que as abelhas negras sempre coletam mel das flores de lótus, e ao fazerem isso, elas acabam cortando as suas pétalas. No entanto, aqui a situação é invertida: as mãos do Senhor são comparadas ao lótus, e Suas unhas, às pétalas desse lótus. Assim, a abelha — representando Hiraṇyakaśipu — é quem está sendo perturbada.
Quão belo é isso! Hiraṇyakaśipu, nesse contexto, está sendo comparado a uma abelha, e para onde vai a abelha? Ela vai até a flor de lótus para coletar o seu néctar. As mãos do Senhor são como belos lótus, e nesse passatempo, foram as unhas (nakha) do Senhor Nṛsiṁhadeva que, dessa vez, perturbaram a abelha.
keśava dhṛta-narahari-rūpa jaya jagadīśa hare
Jaya Jagadīśa! Keśava! O Senhor aqui é chamado de Jagadīśvara, que se refere a Ele enquanto Suprema Personalidade de Deus, o Controlador Supremo de todos os seres vivos. Esse mesmo Keśava agora se manifestou sob a forma de Nṛsiṁhadeva Bhagavan, o qual matou Hiraṇyakaśipu. Após isso, Nṛsiṁhadeva ficou muito zangado.
Nos comentários aos śāstras também é explicado que Ele era como um leão a recém matar um elefante — depois de matar o elefante, o leão fica muito zangado. Sua raiva é tamanha que ele ruge. De maneira semelhante, depois de derrotar o demônio Hiraṇyakaśipu, o Senhor Nṛsiṁhadeva ficou extremamente zangado e começou a lançar o Seu olhar em todas as direções. Nossos śāstras (textos sagrados) nos ensinam que, quando o Senhor Nṛsiṁhadeva manifestou a Sua forma aterrorizante (ugra-mūrti), a Sua ferocidade era tão intensa que fez todos os semideuses ficarem aterrorizados. Eles, então, se aproximaram do Senhor Nṛsiṁhadeva, tentando apaziguá-lO com seus stava-stuti (orações ou glorificações dirigidas à Divindade).
Prahlāda pacifica Nrsimhadeva
Quando o Senhor Nṛsiṁhadeva percebeu que Brahmājī estava ali presente entre os devas e devīs, Ele gritou: "Ó Brahmā! Por que você deu essa bênção ao demônio Hiraṇyakaśipu, permitindo-lhe perturbar os Meus devotos?" Ao ouvir isso, Brahmājī ficou profundamente abalado e seu corpo começou a tremer. Ele ficou tão atordoado que não conseguia mais falar, pois sua língua adormeceu (jaḍa) por completo. Vendo a ira de Nṛsiṁhadeva direcionada a Brahmājī, Śivajī, alarmado, fugiu, e todos os devotos também correram o mais longe possível. Eles diziam: "O que faremos agora? O Senhor Nṛsiṁhadeva está extremamente zangado, e toda a criação pode acabar sendo destruída!"
Diante dessa situação, todos os semideuses disseram a Lakṣmī-devi: "Ó Lakṣmī, você deve pacificar seu marido, Nṛsiṁhadeva Bhagavān." No entanto, Lakṣmī-devi respondeu: "Desta vez, eu não conseguirei fazer isso." Os semideuses, então, se voltaram para Prahlāda: "Somente você pode pacificar o seu mestre, o Senhor Nṛsiṁhadeva." Logo, Prahlāda Mahārāja se aproximou do Senhor. Assim que Nṛsiṁhadeva viu Prahlāda, Seu coração se derreteu por completo e lágrimas começaram a rolar pelo Seu rosto. Antes, Ele estava em um estado de grande fúria, mas ao ver Prahlāda Mahārāja, Seu humor se transformou completamente, tornando-se calmo e pacífico.
O Senhor sentou Prahlāda em Seu colo e, dando-lhe tapinhas nas costas, disse: "Prahlāda, Eu vim para acabar com os distúrbios causados por seu pai. Agora, você pode pedir qualquer bênção a Mim que a concederei, pois sou Bhagavān." Ao que Prahlāda Mahārāja respondeu: "Prabhu, eu não sou um homem de negócios. Eu faço bhajana e sādhana para agradar Você, e não para que me proteja. Eu não desejo nenhuma bênção."
Diante disso, o Senhor Nṛsiṁhadeva revelou: "Se Eu não der nada a você, não ficarei satisfeito. Por isso, peça a bênção que quiser." "Ó meu Senhor Nṛsiṁhadeva, se Você está satisfeito comigo, peço que perdoe meu pai pelos distúrbios que causou a Você. Dessa forma, ele poderá ser libertado deste mundo material", respondeu Prahlāda. Assim, o Senhor disse: "Prahlāda, ouça. Na verdade, você não pediu nenhuma bênção a Mim."
Nossos textos sagrados explicam que, mesmo ao receber apenas os dīkṣa-mantras do guru, seguir os quatro princípios e praticar bhajana e sādhana, sete gerações da dinastia do kaniṣṭha-adhikārī (devoto neófito), tanto do lado paterno quanto materno, são libertadas deste mundo material.
Aqueles que são madhyama-adhikārī (devotos intermediários), se possuem śāstra-jñāna (conhecimento dos textos sagrados), seguem os quatro princípios e praticam bhajana e sādhana, libertam desse mundo material quatorze gerações de sua linhagem materna e paterna.
śāstra-yuktye sunipuṇa, dṛḍha-śraddhā yāṅra
'uttama-adhikārī' sei tāraye saṁsāra
Śrī Caitanya-caritāmṛta (Madhya 22.65)
[Aquele que é perito em lógica, argumentação e nas escrituras reveladas, e que tem fé inabalável em Kṛṣṇa, é classificado como um devoto supremo. Ele pode libertar o mundo inteiro.]
Por fim, aquele que conhece as conclusões perfeitas dos śāstras (textos sagrados), possui ātyantikī-śraddhā-bhakti (fé inabalável) e executa bhajana é um uttama-bhagavata (devoto supremo). Por meio dele, vinte e uma gerações, tanto do lado de sua mãe quanto de seu pai, são libertadas.
Nṛsiṁhadeva, assim, disse a Prahlāda: "Você é um uttama-uttama-maha-bhagavata, logo, seus pais já foram libertados desse mundo material. Você pode pedir outra bênção." "Não quero nenhuma bênção", insistiu Prahlāda. Contudo, o Senhor Nṛsiṁhadeva, insistentemente, disse: "Prahlāda, você deve pedir uma bênção." Prahlāda Mahārāja se pôs então a proferir muitos ślokas (versos), mas um deles tem proeminência especial:
prāyeṇa deva munayaḥ sva-vimukti-kāmā
maunaṁ caranti vijane na parārtha-niṣṭhāḥ
naitān vihāya kṛpaṇān vimumukṣa eko
Nānyaṁ tvad asya śaraṇaṁ bhramato 'nupaśye
Śrīmad-Bhāgavatam (7.9.44)
[Meu querido Senhor Nṛsiṁhadeva, vejo que, na verdade, existem muitas pessoas santas, mas elas estão interessadas unicamente em sua própria libertação. Não se preocupando com as grandes cidades e províncias, elas, sob voto de silêncio (mauna-vrata), vão aos Himalaias ou às florestas para meditar. Elas não estão interessadas em libertar os outros. Quanto a mim, entretanto, não quero me libertar sozinho e deixar de lado todos esses pobres tolos e patifes. Sei que, sem a consciência de Kṛṣṇa, sem se refugiar em Vossos pés de lótus, ninguém pode ser feliz. Portanto, desejo trazer todos de volta ao refúgio de Vossos pés de lótus.]
Prahlāda Mahārāja disse: "Ó meu Senhor Nṛsiṁhadeva, aqueles que realizam bhajana e sādhana e buscam apenas a sua própria libertação deste mundo material são egoístas, pois pensam apenas em si mesmos e não nos demais. Ó meu Senhor, se desejar, pode me enviar ao inferno (naraka) para que ali eu aceite os sofrimentos resultantes das ações pecaminosas de todos os seres vivos. Assim, Você poderá conceder libertação a todos eles, conduzindo-os à Sua morada, Vaikuṇṭha-dhāma."
Após esse pedido de Prahlāda, o coração do Senhor Nṛsiṁhadeva se derreteu, e Ele disse: “Ó Prahlāda, que bênção Eu não poderia conceder a você? Prometo que, no dia do Meu advento, Nṛsiṁha-caturdaśī, todo aquele que observar esse dia sagrado e glorificar os Meus doces passatempos alcançará a Minha morada eterna, Vaikuṇṭha-dhāma.”
Dessa forma, o Senhor Nṛsiṁhadeva concedeu a Prahlāda Mahārāja essa bênção especial, derramando sobre ele imensa misericórdia. Em seguida, Prahlāda retornou para o seu lar e distribuiu essa bhagavad-nṛsiṁha-prasāda (a misericórdia do Senhor Nṛsiṁhadeva) a todos.
Hoje, portanto, é um dia extremamente auspicioso e excelente. Nesse dia, se alguém cantar os santos nomes, adorar o Senhor Nṛsiṁhadeva ou simplesmente ouvir os passatempos do Senhor — o nṛsiṁha-caritra-kathā — será libertado do oceano da existência material e alcançará a morada do Senhor Nṛsiṁhadeva.
ito nṛsiṁhaḥ parato nṛsiṁho
yato yato yāmi tato nṛsiṁhaḥ
bahir nṛsiṁho hṛdaye nṛsiṁho
nṛsiṁham ādiṁ śaraṇaṁ prapadye
Nṛsiṁha Purāṇa
[Nṛsiṁhadeva está tanto aqui quanto lá. Aonde quer que eu vá, Nṛsiṁhadeva está presente. Ele está no coração e também fora dele. Eu me rendo a Nṛsiṁhadeva, a origem de todas as coisas e o refúgio supremo de todos.]
Jaya Jaya Śrī Rāḍhe!
Bolo Nṛsiṁhadeva Bhagavān kī jaya!
Gaura-premānande! Hari Hari bolo!
Tradução: Rādhā dāsī
Edição: Tāruṇī-gopī dāsī
Revisão: Gaura Hari dāsa
Imagem: Navīna-kṛṣṇa dāsa (Holanda)