Desaparecimento de Srila Narayana Gosvami Maharaja
- Vana Madhuryam Brasil
- 24 de dez. de 2024
- 17 min de leitura

Srila Bhaktivedanta Vana Gosvami Maharaja
2 de fevereiro de 2022, Brasil
Neste auspicioso e super excelente dia, nosso amado Srila Gurudeva, nitya-lila-pravishta om vishnupada astottara-sata Sri Srimad Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja desapareceu deste mundo. Hoje, quero falar algumas poucas palavras sobre a história de vida e contribuições de Srila Gurudeva.
Eu mencionei anteriormente sobre como Srila Bhakti Prajnana Keshava Gosvami Maharaja estabeleceu nossa Gaudiya Vedanta Samiti. Em nossa Gaudiya Vedanta Samiti, há muitos pilares, entretanto, os três principais são: nitya-lila-pravishta om vishnupada astottara-sata Sri Srimad Bhaktivedanta Srila Vamana Gosvami Maharaja, nitya-lila-pravishta om vishnupada astottara-sata Sri Srimad Bhaktivedanta Srila Trivikrama Gosvami e Srila Gurudeva, Srila Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja.
Qualquer um que tenha somente tido contato com uma dessas grandes personalidades recebeu alguma forma de misericórdia deles. Nossas escrituras explicam que Guru e Vaishnavas são como pedras filosofais, sparsamani. Quando o ferro entra em contato com uma pedra filosofal, ele se transforma em ouro. Da mesma forma, podemos chamar Gurudeva de sparsamani. Essa glorificação de Srila Gurudeva, entretanto, não é completa. Por quê? Porque uma pedra filosofal transforma apenas ferro em ouro, mas ela própria não se transforma em ouro. Por isso, Gurudeva é mais como uma cintamani, uma joia que satisfaz todos os desejos. Ou seja, se uma pessoa simplesmente pensar sobre Gurudeva, ele lhe dará tudo.
Gurudeva é cintamani. E o que é uma cintamani? Uma joia que realiza os desejos: qualquer desejo que você tiver, ele vai ser satisfeito. Se você tocar o ferro em uma pedra filosofal, o ferro se transformará em ouro. Mas uma pedra cintamani satisfará automaticamente qualquer desejo sobre o qual você estiver pensando. Em Goloka Vrindavana, todas as árvores são chamadas de kalpa-vrksa, árvores dos desejos.
cintāmaṇi-prakara-sadmasu kalpa-vṛkṣa-
lakṣāvṛteṣu surabhīr abhipālayantam
lakṣmī-sahasra-śata-sambhrama-sevyamānaṁ
govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi
(Sri Brahma-samhita, 5.29)
[Eu adoro Govinda, o Senhor primordial, o primeiro progenitor que cuida das vacas, concedendo todos os desejos, em moradas construídas com joias espirituais, cercadas por milhões de árvores do propósito, sempre servidas com grande reverência e afeição por centenas de milhares de lakṣmīs ou gopīs.]
Em Goloka Vrindavana não há necessidade de sparsamani, porque tudo ali já é cintamani. Qualquer desejo que surja pode ser satisfeito pelas árvores e vacas. Então, qual é a mais elevada: cintamani ou sparsamani? Talvez vocês ainda não tenham entendido, então vou elaborar um pouco mais.
Se vocês se banharem no Ganges, todas as suas atividades pecaminosas serão destruídas de seus corações, gańgāra paraśa hoile. Se vocês simplesmente tocarem a água do Ganges, todos os seus pecados, papa, serão destruídos. E se vocês não se banharem no Ganges, não se purificarão, e suas atividades pecaminosas não serão destruídas. Mas se vocês tiverem o darshana, ou seja, se apenas virem ou visitarem um uttama-vaisnava, automaticamente todos os seus pecados serão destruídos e krishna-prema se manifestará em seus corações.
yāṅhāra darśane mukhe āise kṛṣṇa-nāma
tāṅhāre jāniha tumi 'vaiṣṇava-pradhāna'
(Chaitanya-charitamrita, Madhya-lila, 16.74)
[Sri Chaitanya Mahaprabhu disse: “Um Vaishnava de primeira classe é aquele cuja própria presença faz com que os outros cantem o santo nome de Krishna.”]
Qual é a definição de um uttama-bhagavata? Por simplesmente se obter o darshana de um uttama-bhagavata, krishna-prema se manifestará em seus corações. Sabendo disso, qual é o mais elevado: ganga-jala (água do Ganges) ou suddha-vaisnavas? E é por isso que Srila Narottama dasa Thakura canta:
gaṅgāra paraśa hôile paścāte pāvana
darśane pavitra karô—ei tomāra guṇa
hari-sthāne aparādhe tā’re harināma
tomā-sthāne aparādhe nāhikô eḓāna
(Ei-bāra Karuṇā Karô, versos 3-4, de Śrīla Narottama dāsa Ṭhākura)
[Apenas após tocar o Gaṅgā alguém se purifica, mas simplesmente ao vê-lo, a pessoa é purificada. Essa é sua grande qualidade. As ofensas cometidas aos pés de lótus de Śrī Hari são absolvidas pelo harināma, mas para as ofensas contra você (Vaishnava) não há absolutamente nenhum meio de liberação.]
Se tiverem cometido qualquer ofensa ao cantarem os santos nomes, nama-aparadha, mas, repetidamente continuarem a cantar os santos nomes, essas ofensas aos santos nomes irão, pouco a pouco, desaparecer. Yāṅhāra darśane mukhe āise kṛṣṇa-nāma. Entretanto, tomā sthāne aparādhe nāhi paritrāṇ, se tiverem cometido uma ofensa aos pés de lotus dos suddha-vaisnavas, não serão capazes de continuar realizando seus bhajana e sadhana — suas vidas estão essencialmente destruídas. Por que estou dizendo isso? Porque Gurudeva também é um uttama-bhagavata. Mas como reconhecer um uttama-bhagavata?
Conforme vimos, o Chaitanya-charitamrita explica: yāṅhāra darśane mukhe āise kṛṣṇa-nāma, tāṅhāre jāniha tumi 'vaiṣṇava-pradhāna'. Por apenas ter o darshana dos pés de lótus de um uttama-bhagavata, krishna-prema se manifestará em seu coração. Você pode dizer que alguém é um uttama-bhagavata ou um madhyama-adhikari, mas talvez ele seja um kanistha-bhagavata. Você está falando apenas baseado em seu conhecimento das escrituras. Mas como você saberá que alguém é um uttama-bhagavata? Somente quando a sua autorrealização vier, você poderá, de fato, compreender.
nāyam ātmā pravacanena labhyo
na medhayā na bahunā śrutena
yam evaiṣa vṛṇute tena labhyas
tasyaiṣa ātmā vivṛṇute tanūṁ svām
(Katha Upanishad, 1.2.23)
[O Senhor Supremo não é obtido por explicações especializadas, por vasta inteligência, nem mesmo por muita audição. Ele é obtido somente por alguém que Ele Próprio escolhe. A tal pessoa Ele manifesta Sua própria forma.]
Esse sloka do Upanishad responde muito claramente a essa questão. Somente quando você realizar seu bhajana e sadhana e receber a misericórdia desse uttama-maha-bhagavata, você realizará a verdade sobre ele. Por contar somente com o seu próprio conhecimento das escrituras, você não será capaz de realizar bhagavat-tattva, guru-tattva ou vaishnava-tattva. A esse respeito, o Chaitanya-charitamrita declara:
īśvarera kṛpā-leśa haya ta’ yāhāre
sei ta’ īśvara-tattva jānibāre pāre
(Caitanya-caritamrta, Madhya-lila, 6.83)
[Se alguém receber, mesmo que só um pouquinho, do favor do Senhor por meio do serviço devocional, ele poderá entender a natureza da Suprema Personalidade de Deus.]
Se você receber essa misericórdia do Senhor, então entenderá krishna-tattva. Se você receber a misericórdia do guru, realizará guru-tattva, e se você receber essa misericórdia de um Vaishnava, realizará vaishnava-tattva.
athāpi te deva padāmbuja-dvaya-
prasāda-leśānugṛhīta eva hi
jānāti tattvaṁ bhagavan-mahimno
na cānya eko ’pi ciraṁ vicinvan
(Srimad-Bhagavatam, 10.14.29)
[Meu Senhor, se alguém for favorecido, mesmo por um pequeno traço da misericórdia do Seus pés de lótus, ele poderá entender a grandiosidade da Sua Personalidade. Mas aqueles que especulam para entender a Suprema Personalidade de Deus, mesmo que continuem a estudar os Vedas por muitos anos, não serão capazes de conhecê-lO.]
Tentem realizar que, sem a misericórdia do devoto puro, vocês não conseguirão entendê-lo. Há muitas evidências disso. E somente por seguirem seus bhajana e sadhana vocês realizarão essas coisas.
Há um passatempo semelhante entre Gopinatha Acharya e Sarvabhauma Bhattacharya quando eles estavam tratando sobre o Senhor Chaitanya Mahaprabhu. Gopinatha Acharya disse: “Chaitanya Mahaprabhu é Bhagavan.” E Sarvabhauma Bhattacharya argumentou: “Como é possível que Chaitanya Mahaprabhu seja Bhagavan?” Inicialmente, Sarvabhauma Bhattacharya não acreditava que o Senhor Chaitanya Mahaprabhu fosse Bhagavan, mas que ele fosse talvez uma grande personalidade, um maha-purusha, ou que fosse uma pessoa muito culta ou erudita. “Como é possível que o Senhor Chaitanya Mahaprabhu seja Bhagavan? Todos vocês estão dizendo que ele é Bhagavan, Bhagavan, Bhagavan... Como é possível que Ele o seja?”.
Ele pensava assim, porque inicialmente Sarvabhauma Bhattacharya era impersonalista, e ele detinha uma vasta riqueza de conhecimento dos shastras e dos Vedas. Na verdade, Sarvabhauma Bhattacharya não é uma pessoa comum, ele é uma encarnação de Brhaspati.
Apesar de Gopinatha Acharya oferecer provas das escrituras e contra-argumentar: “Chaitanya Mahaprabhu é, de fato, Bhagavan. Há evidências disso em nossos shastras”, ainda assim, Sarvabhauma Bhattacharya insistia: “Na Kali-yuga, Bhagavan não aparece assim... Como os shastras declaram que o Senhor aparece nesta era? É verdade que o Senhor virá em Kali-yuga, mas Ele só virá no fim da era de Kali, como Kalki Avatara. Então, como é possível que você declare que Chaitanya Mahaprabhu é Svayam Bhagavan?” Mas Gopinatha Acharya é um suddha-bhakta e respondeu: “Há sintomas de Bhagavan no Senhor Chaitanya Mahaprabhu. Além disso, o Mahabharata e todos os Puranas também apresentam versos diretos indicando que Chaitanya Mahaprabhu é Bhagavan”.
O Srimad-Bhagavatam também dá evidências de que o Senhor Chaitanya é a Suprema Personalidade de Deus. É só ler a conversa entre os Nava-Yogendras e Nimi Maharaja no Srimad-Bhagavatam, na qual Nimi Maharaja propôs as seguintes questões: “Na Kali-yuga, como saberemos quem é Bhagavan? Quais são os sintomas dEle? E com que mantra iremos adorá-lO nesta era? Como saberemos que Ele é Bhagavan?”.
Então, Gopinatha Acharya citou estes versos:
tyaktvā su-dustyaja-surepsita-rājya-lakṣmīṁ
dharmiṣṭha ārya-vacasā yad agād araṇyam
māyā-mṛgaṁ dayitayepsitam anvadhāvad
vande mahā-puruṣa te caraṇāravindam
(Srimad-Bhagavatam, 11.5.34)
[Ó Mahā-puruṣa, eu adoro Seus pés de lótus. Você abandonou a associação com a deusa da fortuna e toda a sua opulência, que é muito difícil de renunciar e é desejada até mesmo pelos grandes semideuses. Sendo o mais fiel seguidor do caminho da religião, Você então partiu para a floresta em obediência à maldição de um brāhmaṇa. Por pura misericórdia, Você perseguiu as almas condicionadas caídas, que estão sempre em busca do falso gozo da ilusão, e ao mesmo tempo se engajou na busca de Seu próprio objeto desejado, o Senhor Śyāmasundara.]
kṛṣṇa-varṇaṁ tviṣākṛṣṇaṁ
sāṅgopāṅgāstra-pārṣadam
yajñaiḥ saṅkīrtana-prāyair
yajanti hi su-medhasaḥ
(Srimad-Bhagavatam, 11.5.32)
[Na Era de Kali, pessoas inteligentes praticam o canto congregacional para adorar a encarnação de Deus que constantemente canta os nomes de Kṛṣṇa. Embora Sua tez não seja enegrecida, Ele é o próprio Kṛṣṇa. Ele é acompanhado por Seus associados, servos, armas e companheiros íntimos.]
Essa foi a evidência dada a Sarvabhauma Bhattacharya. Mas ainda assim, ele não acreditava que Chaitanya Mahaprabhu fosse Bhagavan. Então, certa vez, Sarvabhauma Bhattacharya disse para Chaitanya Mahaprabhu: “Você é um navina-sannyasi — um jovem que aceitou sannyasa. Você tem apenas vinte e quatro anos e já assumiu sannyasa, mas não possui o conhecimento adequado sobre ele. Você desconhece a etiqueta apropriada para um sannyasi. Você deve permanecer em um local fixo e aprender o vedanta-darshana. Eu Lhe ensinarei todo o vedanta-darshana. Embora tenha aceitado um madhyama-sannyasa — um nível intermediário de renúncia — eu Lhe concederei uttama-sannyasa, um sannyasa de classe superior”.
Depois de ouvir suas palavras, Mahaprabhu, muito humildemente, respondeu: “Sim, você é como um pai e uma mãe, e agora estou tomando o abrigo de seus pés de lótus. O que você Me dará? Ouvirei tudo o que Me disser.” Então, por sete dias, Sarvabhauma Bhattacharya deu vedanta-darshana-katha: “athāto brahma jijñāsā”. Ele explicou todo o Vedanta-sutra de maneira sublime. E Chaitanya Mahaprabhu sentou-se e ouviu de Sarvabhauma Bhattacharya, cujos discípulos, muito entusiasmadamente proclamavam: “Gurudeva, o que você está falando é tão belo, e nós conseguimos entender muito claramente!”.
Então, Sarvabhauma Bhattacharya perguntou ao Senhor: “Ó, navina-sannyasi, qual é a Sua opinião? Você está entendendo esses assuntos? Você está ouvindo?” Ao que Mahaprabhu respondeu: “Sim, estou ouvindo tudo. Enquanto você falava todos os versos do Vedanta-sutra, eu conseguia entender claramente: athāto brahma jijñāsā. Mas quando você dava explicações sobre tais versos, naquele momento, para Mim era como se o sol fosse encoberto por nuvens de chuva”.
Depois de ouvir a resposta do Senhor, Sarvabhauma Bhattacharya ficou furioso e disse: “Você está dizendo que a explicação que estou Lhe dando está errada? Eu dou sannyasa para todos. Sou o melhor filósofo de Shankaracharya! Como seria possível que eu estivesse dando a explicação errada do vedanta-darshana?” Então, Chaitanya Mahaprabhu respondeu: “Veja, você está dizendo ‘Sarvaṃ khalvidaṃ brahma’ (Tudo isto é Brahma). Mas como é possível que a jiva (alma) se torne Brahma?”.
Desta forma, o Senhor Chaitanya Mahaprabhu refutou todas as explicações do vedanta-darshana apresentadas por Sarvabhauma Bhattacharya, demonstrando vários outros significados para o verso em questão. Agora, Sarvabhauma Bhattacharya havia sido completamente derrotado e não conseguia falar sequer uma palavra. Ainda assim, restavam dúvidas na mente de Sarvabhauma, e, então, ele pensou: “Será que Chaitanya Mahaprabhu é Svayam Bhagavan? Talvez sim, talvez não.” Ele estava contemplando isso mentalmente. O Senhor é onisciente, Ele sabe de tudo, então, Chaitanya Mahaprabhu falou: “Ok, então você ainda tem dúvidas se Eu sou Bhagavan ou não”.
Assim, Mahaprabhu manifestou Sua forma de seis braços. Com dois de Seus braços, o Senhor estava tocando flauta, demonstrando: “Sou o mesmo Krishna que apareceu na Dvapara-yuga; o mesmo Ramachandra que veio na Treta-yuga, com meu arco e flecha; e, agora, vim como um sannyasi portando um kamandalu.” Após testemunhar essa forma extraordinária, Sarvabhauma Bhattacharya se rendeu completa e absolutamente aos pés do Senhor Chaitanya Mahaprabhu e recitou muitos stava-stutis e glorificações sobre Ele. Vairāgya-vidyā-nija-bhakti-yoga-śikṣārtham ekaḥ puruṣaḥ purāṇaḥ. Sarvabhauma Bhattacharya realizou que Sri Chaitanya Mahaprabhu é Svayam Bhagavan — kṛṣṇas tu bhagavān svayam.

Por que estou dizendo isso? Porque, da mesma forma, quando vocês praticarem bhajana e sadhana, a autorrealização virá, e assim, vocês compreenderão guru-tattva, vaishnava-tattva, bhagavat-tattva… Todos os tattvas. Todas as realizações virão, e pela misericórdia de Guru e Krishna, tudo se manifestará em seus corações.
Outra coisa que vou lhes dizer: quando essa realização vier, sua mente estará unidirecionada a Guru e Krishna, apenas. Esse é o sintoma. Então, alguém está falando de uma plataforma de realização ou está somente vomitando algo que memorizou?
Gurudeva contou uma história sobre um papagaio. O papagaio também pode cantar os santos nomes: “Rama, Rama, Krishna, Krishna”. Mas esse papagaio tem, de fato, alguma realização? Não. Você apenas o ensina a repetir as palavras “Rama, Rama”, no mesmo tom da sua voz. Mas quando um gato vier e pular pra pegar o papagaio, naquele momento, ele simplesmente esquecerá daqueles nomes e começará a gritar desesperadamente: “Teeh, teeh, teeh!”. Similarmente, quando obter a autorrealização, você compreenderá perfeita e absolutamente essa Verdade Absoluta.
Este verso explica isso claramente: īśvarera kṛpā-leśa haya ta’ yāhāre, sei ta’ īśvara-tattva jānibāre pāre. Aquele que recebe a misericórdia do Senhor realizará todo o isvara-tattva, bhagavat-tattva. De outra forma, por simplesmente aprender, memorizar e falar, não se é possível ter essas realizações. Tentem entender que a realização só vem de duas formas: pela misericórdia e pelos seus esforços.
Todos vocês receberam essa misericórdia de Gurudeva. Eu acredito nisso. Entretanto, vocês têm que se esforçar para realizar essas verdades por si mesmos. Quando chove, a água cai do céu. Da mesma forma, a misericórdia de Gurudeva desce sobre nós. No entanto, cabe a cada um de vocês perceber essa misericórdia. Como? Praticando diariamente seu bhajana e sadhana. Ao cantar os santos nomes, pouco a pouco, a realização surgirá.
Se vocês colocarem a mão no fogo, irão se queimar, independentemente de terem conhecimento sobre o fogo. Não é possível dizer: “Este fogo não queimará minha mão se eu tocá-lo.” Somente ao colocarem a mão no fogo é que vocês experimentarão seu calor e sua capacidade de queimar. Alguém pode segurar uma luz vermelha à distância, e vocês podem pensar que é fogo, mas, ao tocar essa luz, ela não queimará. Porém, se for realmente fogo, mesmo que vocês não saibam que ele queima, ao tocá-lo, irão se queimar. Da mesma forma, como vocês saberão quem é Bhagavan? Quando fizerem bhajana e sadhana. Assim, a autorrealização virá. Aos poucos, tudo se manifestará em seus corações.
No entanto, vocês também devem ler e progredir em suas vidas espirituais. Vocês devem ouvir mais e mais katha de alta classe, pois assim, samskaras (impressões) virão. Vocês precisam seguir todas as regras e regulações dos shastras, vidhi-marga, pois sem segui-las, não será possível adentrar raga-marga, e dessa forma, gopi-bhava nunca virá. Por essa razão, Gurudeva citava esse verso:
vidhi-mārga-rata-jane svādhīnatā-ratna-dāne
rāga-mārge karāna praveśa
(Kalyana-kalpataru)
[Para aquela pessoa fixa nos princípios regulativos, os santos nomes dão a joia da independência, colocando-a no caminho da devoção espontânea (raganuga-bhakti).]
Para aquele que segue todas as regras e regulações, vidhi-marga, e simultaneamente ouve vrajavasi-katha todos os dias, a avidez por adentrar raganuga-bhakti se manifestará em seu coração. Srila Gurudeva pregou dessa maneira, mas ele dava ênfase em vidhi-marga, seguir as regras e regulações dos shastras em primeiro lugar:
śruti-smṛti-purāṇādi-pañcarātra-vidhiṃ vinā
aikāntikī harer bhaktir utpātāyaiva kalpate
(Bhakti-rasamrita-sindhu, 1.2.101)
[O serviço devocional ao Senhor que ignora as literaturas védicas autorizadas como os Upanishads, Puranas e Narada-pancharatra é simplesmente uma perturbação desnecessária na sociedade.]
Isso significa que aqueles que não estão seguindo estritamente todas as regras e regulações de nosso shastra, podem erroneamente pensar: “Ó, sou uma gopi… Agora sou um raganuga-sadhaka”, quando, de fato, isso é uma perturbação à sua própria bhakti e à dos outros. Por isso, no primeiro sloka do Sri Upadesamrita, O Néctar da Instrução, Sri Rupa Gosvami escreveu muito claramente:
vāco vegaṁ manasaḥ krodha-vegaṁ
jihvā-vegam udaropastha-vegam
etān vegān yo viṣaheta dhīraḥ
sarvām apīmāṁ pṛthivīṁ sa śiṣyāt
(Upadesamrta, verso 1)
[Uma pessoa sóbria que consegue tolerar o ímpeto da fala, as demandas da mente, os ataques da ira e os ímpetos da língua, estômago e genitais, é qualificado para fazer discípulos por todo o mundo.]
Vocês devem controlar os seis ímpetos de seus sentidos. Se não seguirem esse processo e mentalmente cultivarem a ideia: “Agora sou uma gopi”, que forma de gopi se manifestará em suas mentes? Talvez Pakora-gopi, ou Kachori-gopi, Jalebi-gopi, ou até Rasagula-gopi se manifestará. E então, as pessoas dirão sobre você: “O Vaishnava dasa agora se tornou Paneer dasa.” Vocês conhecem essa história? [Srila Gurudeva ri.]
Gurudeva nos ensinou que, primeiro, todos devem seguir vidhi-marga, as regras e regulações das escrituras. Então, bem aos poucos, depois de ouvir hari-katha de um rasika-sadhu todos os dias, a avidez surgirá por entrar em vraja-raganuga-bhakti. Gurudeva concluiu firmemente que, se alguém não ouvir vraja-katha, como é possível que samskaras, impressões, surjam em seu coração? Portanto, antes de mais nada, vocês devem seguir vidhi-marga de maneira estrita: vidhi-mārga-rata-jane svādhīnatā-ratna-dāne, rāga-mārge karāna praveśa.
Qual é a principal diferença entre nossa linhagem e a dos sahajiyas e sakhi-bhekhis? Eles não querem seguir quaisquer regras e regulações dos shastras. Eles acreditam, de maneira errônea: “Eu já sou uma gopi, então não há necessidade de que eu siga qualquer regra”.
Por essa razão, Gurudeva, Srila Narayana Gosvami Maharaja, manifestou um livro muito poderoso chamado “Prabandha-panchakam - Five Essential Essays”. Todos vocês devem ler esse grantha, que foi traduzido para o bengali, hindi e inglês. Quando Gurudeva manifestou este grantha, ele foi distribuído gratuitamente para todos, incluindo aqueles pertencentes às babaji-sampradayas, os quais, ao lê-lo, ficaram furiosos. Neste grantha, Gurudeva dispôs todas as evidências presentes em nossos shastras. Ainda assim, as babaji-sampradayas ficaram tão furiosas com Gurudeva, que realizaram reuniões durante um mês inteiro para discutir a possibilidade de processá-lo judicialmente.
No entanto, eles consideraram: “Quem abrirá o processo contra Srila Narayana Maharaja?” Porque Gurudeva deu a evidência dos shastras em tudo que ele expôs no livro. E se alguém processar outra pessoa e perder a causa, terá que arcar com as custas processuais, e talvez até indenizar a outra parte. Assim, eles estavam naquela situação: “Quem vai colocar o sino no pescoço do gato?” Vocês conhecem essa história? Srila Goura Govinda Maharaja a contou.
Certa vez, havia muitos ratos numa casa. Então, o dono da casa, querendo livrar-se deles, comprou um gato. Com a presença do gato na casa, os ratos tinham que fugir e se esconder, criando um clima de terror constante entre eles. Assim, eles decidiram fazer uma reunião para discutir o que fariam para ficar a salvo do gato. Um deles deu uma ideia: “Ah, mas é muito simples! É só a gente colocar uma coleira com um sino no pescoço do gato, e aí vamos saber quando ele estiver se aproximando! Dessa forma, conseguiremos fugir facilmente!” Todos ficaram muito felizes com aquela ideia, comemorando que haviam chegado a uma boa solução. Mas logo veio a pergunta: “Mas quem vai colocar a coleira no pescoço do gato?” Então, nenhum rato se dispôs a fazê-lo, pois quem tentasse, certamente seria comido pelo gato. Da mesma forma, durante um mês, os babajis fizeram reuniões sobre como eles iriam processar Srila Gurudeva, porque se sentiram criticados pelo que Srila Gurudeva havia colocado no livro. Mas quem iria fazê-lo? Ninguém se dispôs.
Tentem entender como Gurudeva é um acharya muito poderoso. Assim como Srila Jiva Gosvamipada, ele ensina o siddhanta perfeito, o qual foi aceito por todos os acharyas. O tattva-siddhanta de Gurudeva é absolutamente verdadeiro. Ninguém é capaz de derrotar a sua filosofia. E por esse motivo, de maneira apropriada, Gurudeva é reconhecido como um rasika-acharya. Ao mesmo tempo, ele é muito tattva-siddhantic e vedantic, significando que ele conhece todo o tattva-siddhanta. Essa é sua especialidade: ele conhece todo o tattva-siddhanta e, ao mesmo tempo, é um rasika-acharya.
Em nosso matha (templo) em Mathura, especialmente depois do Janmashtami ou Radhashtami, Srila Gurudeva costumava convidar todos os panditas ao nosso templo para falar krishna-katha e radharani-katha. Mas quando Srila Gurudeva falava, ele baseava todo o seu discurso nos shastras. Todos os panditas presentes ficavam totalmente maravilhados.
Vou dar um exemplo. Todos estabelecem: “ete cāṁśa-kalāḥ puṁsaḥ kṛṣṇas tu bhagavān svayam”. Mas Gurudeva estabelecia uma concepção diferente ao dizer: “Ok, Krishna é Svayam Bhagavan. No Brahma-samhita, Brahmaji declara: ‘govindam ādi-puruṣaṁ tam ahaṁ bhajāmi.’ Mas Srila Prabodhananda Sarasvatipad disse claramente…”:
yat-kiṅkarīṣu bahuśaḥ khalu kāku-vāṇī
nityaṁ parasya puruṣasya śikhaṇḍa-mauleḥ
tasyāḥ kadā rasa-nidheḥ vṛṣabhānu-jāyās
tat-keli-kuñja-bhavanāṅgana-mārjanī syām
(Sri Radha-rasa-sudha-nidhi, verso 8, de Prabodhananda Sarasvati)
[Ó filha de Vrishabhanu Maharaja, oceano de rasa, aquele belo menino que usa uma pena de pavão elegantemente inclinada em Seus cabelos é, na verdade, a Personalidade original de Deus. Ainda assim, Ele está sempre caindo aos pés de Suas servas e suplicando humildemente com muitas palavras para conseguir entrar em Seu kunja, onde os dois se entregam aos Seus passatempos amorosos e brincalhões. Minha vida seria bem-sucedida se eu pudesse ser, ao menos, um pedaço da vassoura que Suas servas usam para limpar Seu encantador kunja.]
“Então, Krishna, repetidamente, reclina-Se, levando Sua cabeça aos pés de lótus de Srimati Radhika. Dessa forma, como é possível que Krishna seja Bhagavan? Brahma, Shiva, Narada e todos os elevados Vaishnavas de alta classe prestaram suas reverências aos pés de lótus de Krishna. E agora, o que esse mesmo Krishna está fazendo?”, continuou Gurudeva, recitando o seguinte verso:
smara-garala-khaṇḍanaṁ
mama śirasi maṇḍanaṁ
dehi pada-pallavam udāram
(Gita-govinda, 10.8)
[Ó Śrīmatī Rādhikā, estou queimando no fogo de Kāma [desejo amoroso]. Por favor, seja misericordiosa comigo e decore Minha cabeça com Seus generosos pés de lótus para aliviar-Me dessa condição.]
O que Krishna está falando aqui? “Ó Srimati Radhike, agora estou Lhe oferecendo todas as Minhas posses. Estou Lhe dando Minha mayura-mukuta (coroa de pena de pavão), e estou colocando Minha flauta aos Seus pés de lótus enquanto seguro minhas orelhas (fazendo um sinal de pedido de perdão).” Krishna, na verdade, está segurando suas orelhas e sentando-se e levantando-se repetidamente. Ainda assim, Srimati Radhika não está satisfeita com Ele. Então, Krishna diz: “dehi pada-pallavam udāram — Ó Srimati Radhike, por favor, coloque Seus pés de lótus sobre a Minha cabeça”.
Sempre que Srimati Radhika fica em mana (ira transcendental), Ela fecha as portas de Seu kunja. Então, Krishna começa a chorar e a se lamentar. Yat-kiṅkarīṣu bahuśaḥ khalu kāku-vāṇī, nityaṁ parasya puruṣasya śikhaṇḍa-mauleḥ…
Na verdade, há muitos slokas que evidenciam essa concepção. E quando Gurudeva citava esses versos, todos os panditas ficavam surpresos, porque compreendiam que Gurudeva não era apenas muito vedantic, perito nas conclusões das escrituras, mas também um rasika-acharya. Por causa disso, todos os vrajavasis da Vraja Academy concederam a Gurudeva o título de yuga-acharya. Gurudeva era tão rasika que, mesmo quando ele dava aulas da Bhagavad-gita, ele falava sobre Srimati Radhika e gopi-katha.
man-manā bhava mad-bhakto
mad-yājī māṁ namaskuru
mām evaiṣyasi satyaṁ te
pratijāne priyo ’si me
(Bhagavad-gita, 18.65)
[Absorva sua mente em Mim, torne-se Meu devoto, adore-Me e ofereça reverências a Mim. Dessa forma, certamente você virá até mim. Prometo-lhe isso porque você é Meu amigo muito querido.]
Gurudeva perguntava: “Krishna diz: ‘Absorva completamente sua mente em Mim’, mas quem está com a mente completamente absorta Nele? As gopis.” Há muitos kathas a serem compartilhados, porque o vicara (concepção) de Gurudeva sobre o shastra, sobre tattva-siddhanta e sobre rasa é único e inigualável. Aqueles que se associam com ele e ouvem seu hari-katha, realizarão como Gurudeva é grandioso, mahana.
O que é a misericórdia do guru? Se você for castigado pelo guru, terá de fato recebido sua misericórdia. Se você nunca for castigado pelo guru, como poderá receber a misericórdia dele? Srila Bhaktisiddhanta Sarasvati Prabhupada compôs um verso no qual ele declara que o castigo do guru é, na verdade, a sua misericórdia.
As almas condicionadas, entretanto, não compreendem essa filosofia. Elas apenas pensam: “Ó, esse guru está sempre me glorificando, dizendo: ‘Ó, você é muito bom, muito doce!’ Ele certamente é um guru fidedigno.” Ei, seu estúpido! Seu tolo! Não! Não é assim que se qualifica um guru fidedigno. Vocês não viram quão duramente Srila Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja nos castigava. Estávamos juntos, Madhava Maharaja, Tirtha Maharaja, Premananda Prabhu e outros, e vimos de perto e percebemos que, sem o castigo do guru, como você pode afirmar que recebeu misericórdia?
Vocês já viram Srila Goura Govinda Maharaja dando hari-katha? Ele estava sempre com uma danda na mão, pronto para castigar seus discípulos. E ele também os repreendia: “Seu tolo! Seu sem noção! Seu patife! Seu porco de duas pernas!” Há vídeos dele disponíveis no YouTube. Assistam! Srila Goura Govinda Gosvami Maharaja é um grande acharya, e ele estava treinando seus discípulos.
Da mesma forma, Srila Gurudeva, Srila Narayana Gosvami Maharaja, nos castigava pesadamente. Naquela época, não era nada fácil ficar no templo em Mathura, na Sri Kesavaji Gaudiya Matha. Nós suávamos, mas não por conta do calor, e sim por conta dos castigos. E por isso, Srila Bhaktivedanta Svami Marahaja citava uma frase em bengali: “jei sahe sei rahe”, que significa que somente aquela pessoa que é capaz de tolerar, será um devoto e praticará seu sadhana e bhajana.
Quando Gurudeva, Srila Narayana Gosvami Maharaja, estava dando hari-katha, se alguém não comparecia na aula, ele chamava essa pessoa diretamente pelo nome. Ele dizia: “Ei, Krishna Kripa! Venha para o hari-katha!” Ao que ele respondia: “Maharaja, é que eu estou fazendo isso e aquilo...” Gurudeva, por sua vez: “Ei, senta aqui!”. Meu tio, Krishna Kripa Brahmachari, que depois se tornou Sripad Bhaktivedanta Madhusudana Maharaja, era o administrador do templo, e, por isso, tinha muitas responsabilidades. Às vezes, ele precisava cozinhar e realizar outras tarefas. Quando Gurudeva estava dando hari-katha e ele não estava presente, mas Gurudeva o via passando, chamava-o bem alto: “Ei, Krishna Kripa, venha!” E ele vinha do jeito que estava, até de gamcha, e se sentava ali. E isso acontecia com qualquer um: Paryatak Maharaja, Acharya Maharaja... Somente duas pessoas não eram chamadas, caso não estivessem presentes: Sri Guru Maharaja, Srila Bhaktivedanta Vamana Gosvami Maharaja, e Srila Trivikrama Gosvami Maharaja. Todos os demais devotos eram repreendidos fortemente por Srila Gurudeva se não viessem. Se algum brahmachari não comparecesse, levava um puxão de orelha e um tapa.
Gaura Premanande! Hari Hari Bol!
Bolo Vrindavana Bihari lala ki jaya!
Jaya Srila Gurudeva ki jaya!
Jaya Srila Bhaktivedanta Narayana Gosvami Maharaja ki jaya!
Jaya jaya Sri Radhe!
Tradução e edição: Lilananda Dasa
Revisão: Taruni Gopi Dasi